Em tempos remotos, quando não existiam recursos e a
informação era escassa, um professor era visto como fonte de conhecimento,
transmitindo as informações do mundo. Este, por sua vez, trabalhava arduamente para
se manter atualizado e passar o melhor para os tutelados. Era reconhecido por
isso e em muitos lugares, tratado com respeito e admiração.
As relações professor-aluno, por vezes, transcendiam a sala de aula e causavam mudanças que até hoje muitos educadores desconhecem. A mudança de qualidade de vida de quem está disposto a aprender, significa muito e abre portas para um novo mundo. O universo do desconhecido causa a sensação de seremos aventureiros desbravando um território, como a séculos nossos antepassados faziam literalmente.
Infelizmente, em novos tempos essa relação ficou diminuída. A
forma de informações que a internet provém, transforma dia-após-dia o
vocacionado professor, em algo obsoleto - para alguns. E isso é uma tendência, não uma reclamação. O
perigo desse fato se encontra quando observamos uma atividade como o Karatê-Dô,
considerado uma Arte Marcial. Hoje, apesar da urgência de haverem ferramentas
de desenvolvimento psicológico e físico aliadas na mesma atividade, muitos
menosprezam o instrutor (sensei) e suas iniciativas. Está se perdendo, de
tempos em tempos, a “marcialidade” da “arte”.
Alunos chegam todos os meses no dojo, procurando respostas
para perguntas que ainda não sabem. Descobrem que a cada aula ficam mais
satisfeitos e com menos dúvidas, apenas com a vontade de aprender mais. Alguns
se vão, quando seus copos estão “cheios” e aquilo basta para modificarem suas
vidas. Outros tantos persistem e acreditam que podem ir além, com razão. Nesse
meio tempo o instrutor está lá, vendo passar centenas de alunos por anos, lidando
com questões físicas e psicológicas de cada um, absorvendo e seguindo a fórmula
dos mestres anteriores, de educar. Nosso sistema foi chamado de Shotokan, pois
foi fundado por um mestre diferenciado, que já era professor, enquanto outros
mestres eram agricultores, pescadores, políticos ou guerreiros.
Muito alunos atualmente praticam a técnica porém não estudam
a filosofia Marcial. E pior: não a praticam na sua vida diária! Estamos
formando um exército sem consciência de lealdade, dedicação e respeito pela
hierarquia. Em um passado, não muito remoto, um instrutor de Karatê-Dô era
visto como referência, alunos atendiam a chamados de treinos e eram pró-ativos
e leais aos seus dojos. Posso citar que isso está na raiz do nosso sistema Shotokan. Após a II guerra mundial, o Japão estava devastado, sem
condições sanitárias, com doenças de todos os tipos, sem comida tampouco água.
Mestre Funakoshi (fundador do Karatê-Dô) havia desistido de ensinar.
Seus poucos alunos sobreviventes a guerra e doenças, arriscaram suas vidas e
economias para juntos, construírem um novo dojo e presentear o mestre.
Colocaram na fachada uma placa “Shotokan”.
Com o advento da tecnologia, a velocidade tomou conta das relações. Todo o tipo de comunicação que não for rápida, estará obsoleta para muitos. Os alunos recebem informativos e não respondem, mesmo visualizado-os. Recebem vídeos e não os assistem, tampouco se dão o trabalho de curtir ou estimular o trabalho do instrutor. Estaremos nós, criando uma geração de pessoas que não elogiam ou tampouco são pró ativos? ou tudo isso não passa de uma nova ordem global? Onde interagir e estimular o próximo (instrutor ou não) é expor-se demais.
Interessante a anos tenho conversando com instrutores mais
antigos e os mesmos me dizem para esquecer e não esperar nada de alunos, pois
os mesmos são ingratos e possuem memória curta. Nunca quis acreditar nisso.
Outros tantos mestres me disseram que não posso cobrar além dos que eles podem
entregar. Graças ao meu mestre aprendi a desapegar de datas comemorativas ou
expectativas, ainda assim, achei curioso que no meu aniversário, ano-após-ano, recebo menos parabéns dos meus alunos que de desconhecidos. E sim, temos meios
fáceis de nos comunicar via internet, redes sociais e whatsapp, então esses
recursos vieram para nos afastar?
Ninguém gosta de perdedores, só os vencedores são
aplaudidos. Por vezes, vencem sozinhos e recebem os aplausos no momento.
Numa guerra, situação de crise extrema, precisamos contar com
o soldado ao nosso lado, na trincheira. É fundamental a hierarquia e isso nos
torna quase uma família, só que com regras explícitas e espírito de combate. No
campo de batalha, isso fará a diferença entre a vida e a morte. Um soldado
jamais abandona sua guarnição, ou deixa um companheiro para trás tampouco
abandona o navio que o acolheu. Procura de todas as maneiras ser útil mesmo que
seja tapando um furo com o dedo.
Infelizmente, um instrutor de Karatê-Dô - atualmente - pode
contar com poucos alunos. Numa situação de crise, mesmo gente treinada abandona
a “marcialidade” e enxerga a relação com o dojo como se fosse uma loja, um
comércio. No caso, são clientes e devem ser atendidos ao seu bel prazer e o
instrutor é um vendedor, que recebe dinheiro para atender desejos.
Existem exceções, é claro.
Poucas vezes, posso contar nos dedos de uma mãos quando um
aluno me mandou uma mensagem perguntando se eu estava bem. Posso lembrar
rapidamente, da vez que vi um aluno pegar uma vassoura para limpar o dojo, mesmo
quando via que eu estava limpando. Ainda, posso ver estatisticamente uma
quantidade enorme de acessos e visualizações de vídeos no nosso canal,
contraponto da quantidade de “curtidas” que são escassas. O simples movimento
de mexer o dedo e curtir algo do seu Sensei – quiça – responder nos grupos
comunicados com “sim”, “ótimo”, “entendido”, e que seja a palavra mais
simples “Oss” parecem abolidos.
Erro no ensino, desde a faixa branca?
Falta de ensinar empatia além de técnicas de Karatê-Dô?
Falta de ensinar empatia além de técnicas de Karatê-Dô?
Tenho a felicidade de ter alguns alunos que me seguem e
auxiliam. Esses tempos tive que fazer uma mudança rápida de sala e dois alunos,
de cinquenta, me ajudaram. Foram ótimos e prestativos. Ou quando adoeci, contei com três alunos para me substituir. Casos raros, momentos raros.
Não espero muito de alunos antigos ou novos, continuo me dedicando ao máximo para entregar o melhor conteúdo que posso, ciente que é uma missão de vida independente de reconhecimento, ajuda ou de as vezes olhar para os lados, e me ver solitário. Quem sabe o legado seja vê-los levar um pouco de mim adiante, manterem a tradição, independentemente de serem empáticos ou não.
Talvez esse seja o Caminho do verdadeiro guerreiro, contar somente com a sua espada. Quando seu coração (kokoro) está satisfeito, pode ser o suficiente.
Não espero muito de alunos antigos ou novos, continuo me dedicando ao máximo para entregar o melhor conteúdo que posso, ciente que é uma missão de vida independente de reconhecimento, ajuda ou de as vezes olhar para os lados, e me ver solitário. Quem sabe o legado seja vê-los levar um pouco de mim adiante, manterem a tradição, independentemente de serem empáticos ou não.
Talvez esse seja o Caminho do verdadeiro guerreiro, contar somente com a sua espada. Quando seu coração (kokoro) está satisfeito, pode ser o suficiente.