segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Karatê-dô: O Caminho da Verdade.

Artes Marciais são para poucos. Karatê-dô é para menos gente ainda. Nossa atividade nunca será para as massas, nunca terá abrangência como esportes coletivos e de formato Olímpico. Ainda que um dia o Karatê-dô possa ser olímpico e comparar-se com alguns esportes (o que seria maléfico a Arte Marcial Karatê) o mesmo não tem uma quantidade surpreendente de praticantes. São alguns poucos milhões de privilegiados, ao redor do globo.

E porque é assim?

O Karatê-dô já foi testado como Arte de combate por praticantes em guerras (Japão na II Guerra Mundial, ilha de Okinawa contra piratas, etc), já foi (e continua sendo) testado como esporte até os dias de hoje por diversas federações. Já foi inclusive transformado em atividade aeróbica com músicas e coreografias para queimar calorias.

De todas as formas de Karatê que existem no mundo afora acredito no Karatê como Arte Marcial pura, ou seja, defesa pessoal. Essa forma de Karatê é o que meu mestre e eu chamamos (e acreditamos) ser o futuro da nossa arte e que leva a algo maior: o Karatê como Terapia.

Quando uma pessoa se propõe a treinar karatê-dô ela terá contato com uma realidade diferente, um novo ambiente. A começar pela roupa, um kimono branco e uma faixa branca. Aquelas vestimentas significam pureza de espírito do praticante, disciplina e uniformidade entre os colegas. Nesse momento o cérebro e costumes do novo praticante começam a ser trabalhados. O mesmo terá que ter humildade para aceitar outras roupas e irá se despir de armaduras psicológicas modernas como: moda, celular, chaves, adereços. Será apenas ele (ou ela) e um kimono branco.

Já na prática o individuo irá se deparar com a verdade sobre o seu corpo: a falta de coordenação inicial, o desequilíbrio, o descontrole na respiração, a falta de força e flexibilidade, a vergonha perante os outros, a contração muscular excessiva entre outros fatores irão aparecer como desafios a serem vencidos pelo iniciante. Somente alguém com muita persistência e humildade poderá seguir enfrentado suas fraquezas em busca de uma evolução física nesses aspectos. Até aqui nada de novo, pois as mesmas sensações podem ser sentidas em outras atividades esportivas.

Então onde o Karatê se diferencia?

No intenção do combate. Toda a preparação física e adaptação a um novo meio se justifica, pelo combate. E esse é interno e externo. Quando um praticante repete dezenas de vezes um movimento até o mesmo ficar natural ao seu corpo e cérebro, poderá aplicar com convicção na hora da luta. Quando o praticante recebe pancadas no treino e sai com hematomas, ficará mais forte para uma futura pancada. Quando o praticante perde um combate ficará mais humildade e terá a oportunidade de aprender a tirar pequenas vitórias, mesmo na derrota (ensinamento de Malheiros Sensei). 

No kumite (e dojo) o praticante é levado a outro patamar. Ele não poderá fingir que não tem medo, orgulho, raiva, ansiedade, calma, receio e coragem. É uma situação que atavicamente provoca a sensação de vida ou morte ao praticante sério e dedicado. No caso, se ele for acertado muitas vezes e não conseguir se defender seria como se estivesse morto, na natureza. E se alguém não consegue se proteger perante um agressor - como irá viver? Com medo de tudo e todos. Achar-se-á um fraco, com uma baixa estima. Nesse ponto é que o karatê-dô terapia entra. Lidando com nossas fraquezas e orgulhos. Lidando com a nossa estima. Encarando quem realmente é e oportunizando revelações (ou insights, como é chamado na psicanálise – Satori, no budismo) sobre nós mesmos. Tenho notado isso na minha prática, em colegas e alunos as mudanças que a prática de karatê-dô proporciona.

Não há como fugir de mudanças consideráveis na sua vida quando você pratica essa Arte Marcial.

Sua auto-estima melhora sua forma de perceber o mundo ao seu redor se modifica e a sua mente e espírito te mostram Caminhos que você não conseguia ver antes.

Sua mente vai deixando o lixo para trás e esvaziando-se, seu espírito fica mais forte assim como o seu corpo. Você não precisa mais lidar com tantas inseguranças e percebe que se você se esforçar, irá conseguir o que precisa. Ora, no Karatê temos que repetir movimentos dezenas de vezes, por vezes, até centenas de vezes visando atingir uma forma adequada. O suor, sacrifício, dor, angústia, choro, alegria, sangue e hematomas se justificam na sua evolução e demonstram que se você faz isso no dojo, poderá fazer o mesmo na vida. Cair e levantar, e melhorar. Persistir.

Na última aula que tive com meu mestre (Malheiros Sensei) um iniciante perguntou para ele se a técnica explicada e que estávamos treinados não seria arriscada, no caso de um contra-ataque. Meu mestre respondeu: “- desde que nascemos estamos correndo riscos. Ainda no útero materno estamos expostos a riscos. Cabe a nós enfrentá-los.”

Se o Caminho do Karatê te revela coisas caberá a cada um usar essa força interna para promover as mudanças necessárias na sua vida. Muitos desistem do treino, pois a verdade sobre si mesmo é, muitas vezes, dolorosa. Quando você enxerga a verdade sobre a sua condição, fica difícil não tomar uma atitude. E isso o Karatê proporciona: a Verdade sobre você.

Isso foi bem mostrado na série de filmes “Matrix” onde foi oferecido ao personagem principal Neo uma pílula azul e outra vermelha. Tomando a azul, Neo voltará à sua ilusória e superficial vida; se optar pela pílula vermelha, conhecerá a verdade que está por detrás do mundo que julga ser real. Neo arrisca e opta pela pílula vermelha, conhecendo, finalmente, a complexa verdade por detrás do seu mundo de aparências. A partir deste simples enunciado entre a dicotomia do mundo real e do mundo ilusório ou aparente, levantam-se muitas leituras filosóficas e religiosas. Estas pílulas representam, também, uma metáfora da condição humana: o homem que se resigna de forma dogmática e aceita passivamente tudo o que existe à sua volta ou o homem que deseja libertar-se e conhecer a verdade absoluta das coisas e o acesso ao conhecimento?

O mesmo acontece em histórias como “Alice no País das Maravilhas” e na famosa “Alegoria da Caverna” do filósofo Platão. Conheço inúmeros praticantes que quando começaram a enxergar essa faceta do Karatê, se distanciaram do mesmo. E em outros momentos, voltaram a treinar, quem sabe para experimentar mais um pouco sobre eles mesmos, porém sem nunca concluir e evoluir totalmente na prática. Existem mil atividades físicas, mesmo formas falsas e picaretas de Artes Marciais, que não irão te direcionar ao Caminho da verdade.

Cada indivíduo tem a sua forma de ver o mundo. A sua maneira, cada um acredita em algo. Não sou contra as pessoas viverem mentiras sobre si mesmas, entretanto sou a favor das mesmas buscarem todas as opções, verdadeiras ou falsas. Quando alguém escolhe o seu Caminho, que o faça de forma consciente (e com convicção) e que seja feliz.

Eu já fiz a minha escolha, e você?



domingo, 27 de fevereiro de 2011

E a nossa Liberdade?

Livre-arbítrio é a crença ou doutrina filosófica que defende que a pessoa tem o poder de escolher suas ações. Porém do que realmente se trata? O contato mais comum que temos com essa expressão vem muitas vezes da religião, que utiliza a expressão como justificativa para a "não-interferência" de Deus nas nossas decisões. Seria então o livre-arbítrio uma dádiva divina que nos dá liberdade.

A filosofia, psicologia, sociologia, religiões e doutrinas estudam o livre-arbítrio como forma de compreender as ações humanas. Não vou me estender as várias concepções da nossa liberdade de escolhas, vou escrever sobre questões referente ao tema.

Se temos liberdade para optar por situações em nossas vidas onde fica a nossa responsabilidade perante as outras pessoas? família, amigos, trabalho, sociedade? no caso, desde o momento que nascemos já estamos compromissados com um meio social e expostos a um ambiente. Os espíritas diriam que cada pessoa nasce já na família que precisa para se purificar como espírito e acrescentam que nossos melhores amigos encarnam sempre próximos a gente, para nos ajudar nessa purificação da alma.

Então no caso a nossa liberdade já estaria comprometida, pois não escolhemos onde vamos nascer.

E quando tomamos consciência do poder das nossas escolhas? nesse momentos estamos cientes da nossa realidade e podemos mudar nossos destinos. Porém para muitos falta um atributo básico: coragem. Muitas pessoas gostam de viver escravas dos seus problemas e se acovardam em enfrentá-los. Buscam ajuda em conselhos, mobilizam de forma egoísta os familiares e amigos, para então, decidirem não mudarem nada. Ou partem para a reclamação e se tornam, com o tempo, pessoas amargas e sem vida.

Num exemplo clássico, indagado sobre a liberdade e o poder de escolhas, o filósofo Sartre* foi exposto ao exemplo de um soldado na guerra, no campo de batalha. Nessa situação, o soldado não teria escolha nem liberdade, pois na guerra deve matar o inimigo - é a sua vida em jogo. Sartre explicou que não, que mesmo na guerra o soldado tinha poder de escolha e muitos soldados morrem por não conseguirem matar o inimigo. É uma situação extrema, porém ainda assim temos liberdade para escolher mesmo que as consequências sejam graves para nós.

Na nossa sociedade temos convivido com uma demanda imensa de informações, e, por vezes, nos vemos "escravos" da engrenagem social ao nosso redor. São informações morais e éticas que nos conduzem a agir de determinada maneira, como por exemplo: instituir família, casar, ter filhos, ganhar dinheiro, comprar carro, casa, ser feliz, envelhecer e morrer. Dentro disso tudo, temos algumas coisas que enriquecem nossas existências e passam despercebidas.

Podem ser pessoas que conhecemos, experiências que deixamos de viver, opções que deixamos de escolher ou limites que nos colocamos para tudo. Então não estamos utilizando a nossa liberdade da melhor maneira, somos prisioneiros de nós mesmos. Porém não seria isso uma opção? não seria isso o uso do nosso livre arbítrio?

No Budismo temos o Karma é a palavra para "ato" ou "ação" e, nesse sentido, usa-se a palavra em textos mais antigos para ilustrar a importância de desenvolver atitudes e intenções corretas. Considera-se que por gerar carma os seres encontram-se presos, e portanto, a última meta da prática budista é extinguir o carma. Então, para o Budismo, estaríamos determinados na nossa vida e escolhas. Seria o equivalente a terceira lei de Newton da física: "Para toda ação existe uma reação de força equivalente em sentido contrário".

De forma concreta o que podemos fazer com o nosso Livre-arbítrio?

Acredito que podemos ter consciência dele, maturidade para aceitar que o nosso poder de escolha diz respeito somente a nós e agir em prol disso, sem colocar a culpa das nossas escolhas nos outros ou no destino. A única certeza que temos é que estamos vivos e que o nosso presente é aqui e agora, e que as nossas ações, são importantes para gerar tanto o bem, como o mal em nossas vidas.

Podemos evitar agir de forma covarde com nós mesmos e com os outros, criando expectativas de coisas que não irão ocorrer ao acaso, ou ainda acreditar, que podemos mudar nosso presente a partir das nossas ações reais em busca de uma outra realidade.

São Tomé, um dos apóstolos de Jesus, em uma passagem da bíblia (João 20:24-29) duvida da ressurreição de Jesus e diz que precisa "ver para crer" as chagas de Jesus.  O autor Roberto Shinyashiki cita o exemplo em um dos seus livros e o transfere para o campo da administração, refazendo a frase que fica assim: "crer para ver". Ou seja: temos que acreditar que a nossa liberdade de escolha é significativa - para ver algo acontecer.

Sem convicção e ação em prol disso nada poderá se realizar de positivo em nossas vidas.

Nem sempre iremos acertar, porém não podemos deixar de tentar. Não podemos nos omitir perante a nossa própria existência, permitir injustiças com o próximo ou nos alienar de nós mesmos. E para isso já temos a ferramenta básica dentro de nós, basta ter a vontade e coragem de usá-la. Com certeza toda a vez que tentamos com coragem, verdade, razão e amor os resultados são maravilhosos.

Falar nisso...creio que esse assunto terá (e merece) várias continuações.




Para saber mais sobre Livre-arbítrio: http://pt.wikipedia.org/wiki/Livre-arb%C3%ADtrio

* Jean-Paul Sartre Filósofo francês, nascido em Paris, em 1905, falecido em 1980. Sartre destacou-se não somente com as obras filosóficas, mas, sobretudo com as literárias, foi inclusive agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura, em 1964, após a publicação de As Palavras. Porém recusou-se aceitá-lo por entender que seria reconhecer que os juízes tivessem autoridade sobre sua obra. (fonte: Professor Rodrigo)