sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Cobra Kai vs Miyagi Dojo - uma reflexão sobre o Caminho (Dô)



English version below 



  Obras de ficção, em filmes, motivam espectadores ou contam-nos histórias que jamais conheceríamos sem essa maravilha que é o cinema. Muitos inclusive norteiam suas vidas, motivados por personagens tanto do cinema, história ou literatura, sendo exemplos para a nossa breve jornada. 

Temos atração natural por heróis e vilões, e acompanhar o arco de personagens nos dá prazer e entretém, fazendo-nos absorver “o poder do mito” (saiba mais no livro de Joseph Campbell).


Surgiu em 2018 uma série independente chamada “Cobra Kai” baseada na trilogia dos filmes “Karatê Kid” de 1984. Porém a mesma só teve ampla divulgação agora em 2020, graças a entrada no catálogo da plataforma Netflix tornando-se um sucesso de público e causando repercussão aos saudosistas dos filmes originais e grata surpresa a um novo público que desconhecia o Karatê-Dô como Arte Marcial. Novamente, graças ao cinema vira-se o foco para essa atividade que vai muito além da parte física ou de defesa pessoal, tornando-se uma poderosa ferramenta de desenvolvimento pessoal.

Percebemos de imediato na série o desastroso poder do Bullying (é a prática de atos violentos, intencionais e repetidos, contra uma pessoa indefesa, que podem causar danos físicos e psicológicos às vítimas) nas vidas de todos os personagens. Na obra de ficção, não existem seres perfeitos ou vidas que possam ser julgadas, tampouco quem não esteja buscando a redenção dos seus erros presentes ou cometidos no passado. 


No caso, o Karatê-Dô apresentado em duas formas diferentes, transforma vidas e eleva a autoestima dos personagens, inclusive dos próprios instrutores. Essas vias e forma de ver o “método” são diferentes trilhas que, em fato, querem levar o praticante ao topo da montanha. Porém como toda a trilha, tem terreno acidentado, pedras, aclives e declives e muitos acidentes de percurso.

A falta de um mestre genuíno para ambos os instrutores (Daniel e Johnny) induz ao método tentativa-erro-acerto de forma intuitiva, através de treinamento prático que as escolas ofereceram aos dois e que, pela narrativa eles passam a oferecer a novos alunos. No Caminho das Artes Marciais, a falta de um “norte” ou estudo com muita prática e reflexão sobre o que se é ensinado pode causar o efeito reverso do que é pretendido, tornando a vida de quem pratica e ensina um caos. Por isso, ter um mestre (ainda que seja um instrutor graduado) é fundamental para manter o foco positivo, desse poder que se está lidando.


O estilo Cobra Kai é mais agressivo, prático e esteticamente forte. O estilo Miyagi Dojo mostra-se forte, filosoficamente correto porém confuso na aplicação diária. Ambos os estilos fazem parte de uma mesma moeda, com duas faces. Na origem do Karatê-Dô não haviam “estilos” diferentes, eram um todo igual, diferenciado apenas pelo método de ensino de cada Sensei. Por motivos mercadológicos, foram nomeados estilos e distanciados os praticantes em grupos distintos, como se fossem outras escolas.

O desafio de ambas escolas da série é atingir o equilíbrio. É o mesmo desafio que todo praticante de Karatê-Dô tem, juntamente com um instrutor de qualidade. E irá depender muito de quem ensina para chegar a esse ponto, por isso, um verdadeiro Sensei deve praticar com afinco, testar e estudar diariamente o que ensina dando valor aquilo, não pode ser apenas um “hobby” ou ser visto como um “trabalho” e sim uma vocação que gera um legado.

A humildade sem submissão, ter respeito ao adversário e misericórdia, sem perder o foco da completa anulação do ímpeto do inimigo. 

A escola Cobra Kai da série precisa aprender com o Miyagi Dojo e vice-versa e criarem algo novo, baseado no antigo.


O Karatê-Dô não se presta a ser algo meramente esportivo ou apenas simbólico, é uma poderosa ferramenta de empoderamento (passar a ter domínio sobre a sua própria vida) e foi criado com técnicas que podem ferir gravemente uma pessoa. Infelizmente, se mal aplicado poderá ferir o próprio praticante e se mal instruído, pode ter consequências desastrosas. O poder envolvido numa Arte Marcial genuína cobra um preço, para o bem ou mal. Isso se aplica também e principalmente a quem ensina, pois esse domínio de técnicas e poder poderá projetar sua vida para coisas positivas ou destruí-lo em rancor e mágoas desnecessárias no processo de amadurecimento da faixa preta.

Querer livrar-se de um problema é o que todos desejamos, 

ainda assim, o Caminho do guerreiro (Budô) mostra que nós temos uma “oportunidade” de transformar um problema em solução e não destruí-lo. E assim precisa ser no trato com um adversário.

Golpear antes, golpear forte e não ter misericórdia, no caso, transforma-se em uma única expressão: estar atento. Consciência do seu estado mental e físico e do adversário, do seu espaço e ações. Buscar a naturalidade nos movimentos propagado pelo Miyagi Dojo, transforma-se em outra única expressão: sinceridade eficaz. O equilíbrio entre escolas tão distintas é algo difícil de alcançar e requer muita disciplina e sacrifício pessoal, sendo uma jornada solitária, ainda que esteja em grupo ou conduzindo por alguém. Nenhuma espada de aço se forja sem passar por várias etapas, por altas temperaturas e muita energia aplicada. Nenhum guerreiro se forja sem encontrar forças, que jamais saberia que tinha, sem o autoconhecimento através do Karatê-Dô.

Seria a diplomacia a solução para tudo?

Nem sempre irá funcionar! Por vezes, teremos que ser duros mesmo com quem amamos. Precisamos estar atentos, conscientes e sinceros em todas as ações da nossa vida e para isso, termos energia para transmitir e modificar positivamente o nosso ambiente. A energia se cria e acumula (como uma bateria) no treinamento do Karatê-Dô e no seu estudo. Extrair pequenas vitórias mesmo na derrota, quando aprendemos uma lição com a queda. Jamais deixar de ser um iniciante e sentir prazer em poder seguir aprendendo até o final da vida. E o equilíbrio virá, naturalmente e mesmo que não venha - ao menos - estaremos bem perto disso. Essa é a nossa missão, essa é a tua jornada.




Works of fiction, in films, have always motivated viewers or tell us stories that we would never know without this wonder that is cinema. Many even guide their lives, motivated by characters from both cinema, history or literature, being examples for our brief journey. We have natural attraction to heroes and villains, and following the arc of characters gives us pleasure and entertains, making us absorb "the power of myth" (learn more in joseph campbell's book).

In 2018, an independent series called "Cobra Kai" was created based on the 1984 "Karate Kid" trilogy. However, it only received wide publicity now in 2020, thanks to the entry in the catalog of the Netflix platform becoming a public success and causing repercussion to the nostalians of the original films and grateful surprise to a new audience that did not know Karate-Dô as Martial Art. Again, thanks to cinema turns the focus to this activity that goes far beyond the physical part or self-defense, becoming a powerful tool of personal development. 

We immediately perceive in the series the disastrous power of Bullying (it is the practice of violent, intentional and repeated acts, against a helpless person, which can cause physical and psychological harm to the victims) in the lives of all characters. In the work of fiction, there are no perfect beings or lives that can be judged, nor those who are not seeking redemption from their mistakes present or committed in the past. In this case, Karate-Doô presented in two different forms, transforms lives and elevates the self-esteem of the characters, including the instructors themselves. These routes and way of seeing the "method" are different trails that, in fact, want to take the practitioner to the top of the mountain. But like the whole trail, it has rough terrain, rocks, slopes and slopes and many road accidents. 


The lack of a genuine master for both instructors (Daniel and Johnny) induces the trial-error-hit method intuitively, through practical training that the schools offered the two and that by the narrative they start to offer to new students. In the Way of Martial Arts, the lack of a "north" or study with much practice and reflection on what is taught can cause the reverse effect of what is intended, making the life of those who practice and teach a chaos. Therefore, having a master (even if he is a graduate instructor) is fundamental to maintain positive focus, of this power that is being dealt with. 

The Cobra Kai style is more aggressive, practical and aesthetically strong. The Miyagi Dojo style is strong, philosophically correct but confused in daily application. Both styles are part of the same coin, with two faces. At the origin of Karate-Doô there were no different "styles", they were an equal whole, differentiated only by the teaching method of each Sensei. For marketing reasons, styles were appointed and the practitioners were distanced in different groups, as if they were other schools. 


The challenge for both schools in the series is to achieve balance. It's the same challenge that every Karate-Doô practitioner has, along with a quality instructor. And it will depend a lot on who teaches to get to that point, so a true Sensei must practice hard, test and study daily what teaches giving value to it, can not be just a "hobby" or be seen as a "job" but a vocation that generates a legacy.

Humility without submission, having respect for the adversary and mercy without losing the focus of the complete nullification of the enemy's momentum. The Cobra Kai school of the series needs to learn from Miyagi Dojo and vice versa and create something new, based on the old one. 

Karate-Do is not used to be something merely sporting or just symbolic, it is a powerful tool of empowerment (to have dominion over your own life) and was created with techniques that can seriously injure a person. Unfortunately, if poorly applied can hurt the practitioner himself and if poorly instructed, it can have disastrous consequences. The power involved in a genuine Martial Art charges a price, for better or forless. This also applies and especially to those who teach, because this mastery of techniques and power can project their life to positive things or destroy it in unnecessary grudges and sorrows in the process of maturing the black belt. 


Wanting to get rid of a problem is what we all want, yet the Path of the Warrior (Budô) shows that we have an "opportunity" to turn a problem into a solution and not destroy it. And so it needs to be in dealing with an opponent. 

Striking before, striking hard and having no mercy, in this case, turns into a single expression: be attentive. Awareness of your mental and physical state and your opponent, your space and actions. Seeking naturalness in the movements propagated by Miyagi Dojo becomes another single expression: effective sincerity. The balance between such different schools is difficult to achieve and requires a lot of discipline and personal sacrifice, being a lonely journey, even if you are in a group or driving for someone. No steel sword is forged without going through several stages, by high temperatures and a lot of applied energy. No warrior is forged without finding strength, who would never know he had, without self-knowledge through Karate-Doô. 

Is diplomacy the solution to everything? 

It won't always work! Sometimes we're going to have to be tough just the people we love. We need to be attentive, aware and sincere in all the actions of our lives and for this, we have the energy to transmit and positively modify our environment. Energy is created and accumulated (like a battery) in karate-doô training and its study. Extract small victories even in defeat, when we learn a lesson from the fall. Never stop being a beginner and feel pleasure in being able to continue learning until the end of life. 

And the balance will come, of course, and even if it doesn't come - at least - we'll be very close to that. That's our mission, that's your journey. 

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

O perigoso mundo da validação do Ego

       Existe um ditado popular que diz: “se conselho fosse bom, seria vendido” então, no caso, existem sim profissionais que são pagos para nos aconselhar, em diversas áreas, não somente no ramo da psicanálise (de valor inestimável) como em tantas outras. Porém o que dizer de pessoas leigas que dão conselhos baseados apenas em “crenças” e não em “fatos” e como lidar com isso?

Primeiramente precisamos compreender que todos temos questionamentos (inseguranças) sobre a nossa própria vida e definição de sucesso. Partindo desse pressuposto, podemos afirmar que “nem sempre a grama do vizinho é tão verde”. Ainda assim, o conselho que é um primo em segundo grau da fofoca, é apenas uma forma de autoafirmação de alguém que não é totalmente feliz e seguro, e provavelmente não tem a menor ideia do que está falando. E todos escutamos conselhos ao longo da vida, pois faz parte da história da humanidade como ferramenta de preservação e ajuste social. Além disso, temos o atual vício em leituras e frases de "auto ajuda" que são paliativos, para não resolver problemas mais profundos do nosso inconsciente. 

Indo além dos conselhos temos a necessidade, em todas as idades, de sermos agradados. De recebermos elogios, de sermos bajulados, mesmo quando fingimos que não gostamos daquilo, em algum lugar do inconsciente aquilo massageia o ego. Existem inclusive estudos dizendo que mesmo com plantas, se diariamente falarmos palavras positivas para as mesmas (veja bem, são plantas) as mesmas crescem e prosperam. E ao contrário, as mesmas tendem a morrer. Claro, isso tem mais haver com a energia que você emite do que realmente as palavras (assunto para outro texto). Ainda assim, imagine no contexto das interações humanas a importância tanto da energia quanto do que se está sendo falado. Somos humanos e estamos em constante auto avaliação e sendo avaliados, por outros. O problema disso é quando ficamos viciados em termos a “validação” externa, nos trazendo problemas. E isso acontece diariamente através de redes sociais, ambiente de trabalho, relações familiares e afetivas e amizades.


A validação do ego é um veneno diário em relacionamentos em todas as esferas. Quanto maior apego a uma ideia, a um preconceito ou forma de agir maior a chance de estarmos errados a respeito daquilo. Ego é o princípio de realidade, nos faz refletir sobre os custos e benefícios de uma ação, antes de decidir agir sobre desistir ou ceder aos impulsos. De forma equilibrada o ego é positivo e nos faz evitar situações constrangedoras e faz parte da nossa personalidade. Ainda assim existem variações negativas do ego, como o ego inflado de uma pessoa narcisa, egos fragilizados (com baixa autoestima e depressão) entre outros.


Em nossos tempos, o ego está deixando de ser algo de uma personalidade fiel a princípios para se moldar as necessidades imediatas de prazer e básicas de uma pessoa. Prova disso é que ainda nos surpreendemos com atitudes absurdas de pessoas em todos os níveis sociais e culturais da nossa sociedade. Em todas as áreas as quais convivemos temos relatos e experiências de coisas que jamais deveriam ter acontecido se houvesse um “filtro” do ego perante aquilo.

O caminho para um ego limpo talvez seja o desapego, ignorar falsos profetas e políticos, evitar quem se auto proclama mestre e sermos compreensivos com amigos e familiares, que no auge das suas inseguranças (em alguns casos, vidas fúteis e sem cor) tentam nos aconselhar e indicar o caminho para a felicidade. A maturidade nos faz olhar toda essa movimentação com a alma serena, conscientes que o nosso destino é independente do que vem de fora e é construído dia após dia através de ações positivas, para consigo e para com o próximo. Pessoas felizes não precisam de validação, evitam dar conselhos e são ótimo ouvintes pois estão usando o melhor dos seus egos, se auto validando.

 

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

A tolerância humana ao absurdo.

Atavicamente somos preparados para conviver em sociedade e aceitar condutas impróprias dos nossos mais próximos. Não é uma questão de julgar ao outro e sim de entender, se existe bom senso nas ações do outro, e se aquilo serve para a tua vida.


Com a velocidade da informação e tendência a desvalorização do "ser" pelo "ter" acabamos por projetar nossas expectativas e ansiedades em cima de outros, que por vezes, sequer sonham com o roteiro que estão inseridos. 

O que é mais importante para um ser humano? a sua própria vida. E dentro disso, pode desenvolver um "pensamento mágico" que faz pequenos desejos se tornaram grandes objetivos que envolvem outras pessoas sem contar com o respeito pela individualidade do próximo ou os sentimentos de todos os envolvidos nesses planos. Nisso entra a tolerância, muitas vezes por amor, outras tantas por falta de opção e não desejar ser inadequado com as pessoas. Toleramos, o que poderia ser interpretado como insuportável eticamente. 


Então num contexto maior, temos leis absurdas que não ajudam e são quebradas para penalizar o cidadão. Temos relacionamentos pró forma apenas para seguir o roteiro social e pessoas ansiosas em encontrar sua alma gêmea, sem sequer saber dos seus demônios interiores e sem tem alto valor para oferecer a um companheiro(a), doam pouco e querem muito. 

Claro existem muitas pessoas que convivem de forma harmoniosa e com respeito, sendo um "oásis" e sorte de quem pode conviver com pessoas assim. 

Em muitas religiões esse tema é abordado como "perdão". 

Como sendo o ato máximo de amor ao próximo e aos ensinamentos dos profetas. Mas até que ponto somos obrigados a aceitar o absurdo vindo de qualquer parte?

A lógica nos leva a uma resposta simples, sabemos instintivamente questões que são polêmicas e para isso, precisamos nos afastar delas. Pessoas brigam não para resolver algo, e sim para colocar para fora suas mágoas e frustrações e terem seus egos validados. O perdão nesse caso é exigido de fora para dentro, quando sendo Piaget, precisa vir de dentro para fora.

Somos obrigado a engolir sapos todos os dias. 

Como brasileiros estamos cada vez mais treinandos a ter jogo de cintura perante a burocracia, arrogância e impedimentos do Estado para o nosso papel de cidadão. Temos mais deveres que diretos. E isso se estende as relações.  

Não precisamos tolerar tudo que nos é imposto. 

Opiniões e pré-julgamentos, conselhos inúteis baseados em análises superficiais sobre nossas vidas e mudanças. O desafio é sermos diplomáticos, rápidos e assertivos quando as pessoas nos despejam absurdos e tentam nos convencer. Por respeito e amor, podemos evitar pré-julgamentos, falas e atos, muitos desses não fazem sentido ou são absurdos e precisam apenas ser escutados, porém ignorados. 

Pedir desculpas, reconhecer erros e ter um desapego profundo de sentimentos mesquinhos como orgulho, aumenta o nosso grau de tolerância aos absurdos que virão. 


O absurdo é colocado aqui como a falta de bom senso e tendência a obrigar as pessoas a aceitarem a sua verdade, sobre a nossa. Independente dos nossos atos ou credibilidade. Não precisamos responder o que quer que seja na hora, no dia, no mês ou sequer no ano, se suportamos as consequências dessa "não" resposta. Não somos obrigados a conviver com pessoas desagradáveis e que não acrescentam. A prioridade que damos para coisas fúteis e que não refletem em nossa vida daqui a cinco anos, apenas nos gera ansiedade e ilusão de resultados, o tal pensamento mágico, em ação.

E como sabemos, mágica é truque sendo assim, falso.